Monday, December 04, 2006

A COSTELA DE ADÃO

Para onde vamos quando obedecemos, sem questionar, à ditadura de padrões estéticos?
Muitas vezes, para o fundo do poço e, mesmo, para a feiúra.
Há anos atrás, visitei, no Centro Cultural do Banco Itaú, uma exposição intitulada "Do Espartilho ao Silicone".
A exposição mostrava objetos de desejo e de beleza femininos: vestidos de todas as épocas, alguns magníficos, como um tomara-que-caia de rendas prateadas dos anos 50, um par de sapatos pretos, dos anos 20, que teria pertencido à Olívia Guedes Penteado, um vestido do séc. XIX, para o dia, com cauda, de uma dama de companhia da família real brasileira.
O que chamou minha atenção, e de outras pessoas também, foi a baixa estatura da "dona" do vestido.
Certa vez, li que, no séc. XIX, no Brasil, o padrão de beleza feminina correspondia a uma mulher baixinha, carnudinha, de tornozelos finos. Portanto, a tal dama de companhia, se tivesse um rosto agradável, certamente teria sido considerada uma mulher bela.
Em 1900, o espartilho era obrigatório. Vemos desenhos, e até mesmo fotografias da época que exibem mulheres de cinturas anormalmente finas.
Graças a Coco Chanel, livramo-nos dos espartilhos, dos trajes incômodos, da ditadura da alvura e conquistamos o tailleur e a bolsa a tiracolo.
E, hoje, assisti ao Fantástico por duas razões: queria ver a continuação da viagem pela Sibéria (o trem chegou com Paulo Coelho e Glória Maria a uma das cidades que sonho conhecer, Vladivostok) e por conta de uma matéria sobre as mulheres que retiram costelas para afinar suas cinturas.
O que o dr. Pitanguy e outros médicos esclareceram eu já sabia: costelas servem para proteger órgãos delicados, como pulmões, baço e fígado. Fazem falta, sim.
A equipe jornalística apresentou três mulheres que fizeram a cirurgia para retirada de costelas, além de duas personagens interessantes: uma delas, morena e bonita, usa espartilho para afinar sua cintura, de 64 para 52 cm... Sim, ES-PAR-TI-LHO. São bem mais novas do que eu e apresentam belas curvas naturais. Por que fazem isso? Não deram uma explicação que me convencesse.
O uso do espartilho leva a dores nas costas e a problemas circulatórios. Uma delas só tira o instrumento para dormir; a outra, para tomar banho...
Juro que não sou um tribufu nem que estou com inveja dessas corajosas afrodites. Não dispenso a boa e velha manicure, a depilação, o perfume, o filtro solar, dentre outros cuidados básicos. Faço dieta permanente, mas passar fome e ficar um palito? Nem pensar. Adoro café, pão, croissant, chope e massas (sem queijo). Morrer por conta de um determinado padrão estético, nunca.
Já sofri por causa do meu corpo. Até os 21 anos. Minha anatomia não corresponde à preferência nacional. Tenho quadris estreitos, ombros largos e não dá para mudar isso. Porém, é mentira que um derrière avantajado seja um passaporte para a beleza, a felicidade e o sucesso com os homens. Posso dizer o mesmo quanto à medida da cintura.
Confissão de adolescente longínqua: se sofri por causa do meu corpo, o promotor implacável não foi o espelho, mas a opinião de mulheres invejosas da família. Felizmente, no meu caminho tinha uma judia bem vivida. Ela me lançou umas perguntas oportunas e daí, um dia, eu experimentava um vestido preto e justo numa loja e dei-me conta de que as duas invejosas da família é que me faziam achar meu corpo feio, o que nunca foi nem é. Parenti, serpenti!
Detalhe importante: os homens sempre elogiaram meu corpo.
Quando cometemos uma violência contra nosso corpo, queremos nos sentir mais belas e desejáveis. Porém, nossos objetos de desejo não fazem a menor questão de uma cintura artificialmente diminuta, ou mesmo fina, de um corpo tão "perfeito" como imaginamos, ou tão magro. Os homens com quem já pude conversar sobre o tema corpo, aliás, não estão atrás de uma top model, que, para eles, é pele e osso. Beleza é contingente; é mais uma impressão do que um determinado conjunto de formas.
Por que nos matamos em nome da capacidade hipotética de despertar desejo nos outros? E nós, o que somos e para onde vamos?
Continuamos nos comportando como costelas de Adão, que, metaforicamente, começamos a remover de nossos corpos, tornando-os mais frágeis. Vivemos para os outros e somos capazes de ir para o Inferno em busca da aprovação geral. Na obsessão que desenvolvemos, nossa visão distorce a realidade e então partimos para o espartilho, a cirurgia arriscada, a anorexia e a bulimia.
Aparentemente, o número de homens que enlouquece por padrões estéticos não é tão significativo quanto o de mulheres. Sabemos dos que tomam anabolizantes para ficarem musculosos, coisas assim. Mas gostaria de conhecer melhor o assunto do lado masculino. Conheci alguns que sofriam por estarem gordinhos, outros, por serem baixinhos. Vou dedicar dois textos a uns e a outros, futuramente.
Minhas costelas são sagradas.

Monday, October 02, 2006

Inteligência Artificial

Hoje à tarde a "Globo" passou o filme, que assisti pela terceira vez. A dublagem não tirou a grandeza do roteiro nem das atuações de Haley Joel Osment e de Jude Law.
Jude Law. Um ator para ser comentado em outra ocasião. Para mim, ele é um astro como nenhum outro, tem o talento, o charme e o imenso carisma dos astros da melhor época de Hollywood. Desejo que a estrela de Jude suba, que ele faça um grande papel num filmaço e ganhe uns 2 Oscars. O moço merece.
Sei que vou levantar polêmica. Conheço gente que achou a fita piegas e detestou-a.
"AI", mais do que ficção científica, é também um filme metafórico. Na jornada do menino-robô em busca da condição humana e do amor de sua mãe, deparamo-nos com várias situações e questões arquetípicas. Algumas nos farão refletir; outras, vão nos emocionar também. Quais situações e questões arquetípicas?
Primeiro, a personagem sem nome, vivida por uma linda atriz negra, repete a seguinte pergunta, mais ou menos nos termos que descreverei, numa reunião corporativa: "O que acontecerá com o robô programado para amar, se os humanos não o quiserem mais? O robô vai amar incondicionalmente; e os humanos? Qual a responsabilidade deles?"
Isso nos remete a Saint-Éxupery: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Depois, vemos o problema do filho "encomendado" para servir de "reserva", caso o irmão doente morra; o pseudo-amor condicional de alguns pais, que só aceitam o filho na medida em que ele seja obediente e conveniente; a tendência da sociedade de abandonar, marginalizar, perseguir e destruir os seres que estão incomodando; a tendência humana de buscar sempre alguém, ou um grupo, para ser catalogado como "o outro", como diria de Beauvoir, a ser oprimido e perseguido por ser "diferente"; a sociedade dominada pela eletrônica, pela cibernética, que vai se tornando incapaz de filosofia, arte e fé, e perdeu todo o respeito pela sensibilidade, liberdade e intimidade das pessoas; uma sociedade cuja ética é caçar níqueis, celebra o sexo mas marginaliza seus profissionais.
Por outro lado, "AI" sabe mostrar a amizade, em todo o seu esplendor; mostra que nossos sonhos não têm limites, e por eles vamos "até o fim do mundo", ou seja: são eles que nos fazem evoluir, superar aquilo que o mundo espera de nós.
E o filme não fala de amor? O tempo todo. Do quanto pode ser tenaz, transformador e capaz de tudo. Mas, também, do quanto o mundo desconfia de quem ama. O personagem Henry afirma: "Se ele (David) pode amar, ele também pode odiar!"
Por amor, vamos até o fim do mundo, o fundo do oceano, o fim dos tempos, porque sabemos que o infinito é o limite. Como diria Vinícius, enquanto durar.
Simone Andréa entra em férias, só volta dia 22.10. Um grande Outubro para todos. Até a vista!

Monday, September 11, 2006

SEM MEDO DE VIVER

Há um belo filme dirigido pelo Peter Weir e estrelado por Jeff Bridges e Isabella Rosselini que, entre nós, passou com o título da postagem de hoje. Se vale a pena? É Peter Weir!
A que vem o tema de hoje?
Perdi uma amiga. Era uma bela mulher, doce, inteligente e corajosa. Pouco a procurei depois que se casou e constituiu família, por achar que iria atrapalhá-la. Pensava, qualquer hora dessas nós nos encontraremos.
Qualquer hora dessas, e essa hora não viria.
Esse acontecimento deu-me dolorosa aula.
O tempo todo sabemos, mas o tempo todo vivemos como se não houvesse morte e tudo fosse adiável.
O tempo todo sentimos medo de viver. De ousar. De progredir.
O que importa na vida não é a opinião pública, a tradição, a moda, nenhuma regra, escrita ou não escrita, que confina as pessoas em padrões de pensamento, sentimento e de comportamento; que separam as pessoas e as impedem de brilhar e de se amar. Não são as autoridades com suas bravatas, as doutrinas com sua prepotência, a palavra dos que se dizem filósofos ou mensageiros dos deuses com sua pretensão, nada.
Nada que nos cause medo de viver.
Em plena Era dos Direitos, nossa sociedade vive uma escalada de repressão e controle. Querem monitorar as páginas que as pessoas acessam na Internet. Onde isso nos levará?
O pior medo é o de quebrar regras, pois impede a liberdade e o progresso.
Se hoje temos a igualdade de direitos entre mulheres e homens na Constituição brasileira, devemos tudo a mulheres, brasileiras e estrangeiras, que ousaram quebrar regras; se temos liberdade de manifestação de pensamento, devemos a quem lutou por liberdade ao longo da História. Picasso, Tarsila, Frida Kahlo, Tomie Ohtake e Oscar Niemeyer quebraram regras nas suas artes e ofícios. Walt Whitman também.
Nosso tempo convida ao medo de viver. Há perigos reais, inflacionados pelo sensacionalismo da mídia. Porém, sempre o mundo foi cheio de perigos, próprios de cada época. Apesar das penas cruéis, na Idade Média tinha ladrões, e como! Viajar para qualquer canto era uma aventura. Durante a "Guerra Fria", o grande perigo era um confronto nuclear. As armas nucleares continuam existindo, mas simplesmente a mídia voltou suas atenções para outras ameaças...
Na postagem "Para Ler e Amar", mencionei duas obras, duas autoras: Anne Frank, que ousou sonhar e Marguerite Duras, que ousou amar.
Há um filme que explora o problema do medo de viver às últimas conseqüências: "A Vila", do Shyamalan.
Não só "Sem Medo de Viver", mas outros filmes de Peter Weir tratam do tema: "Sociedade dos Poetas Mortos" (quem se esqueceu do carpe diem?) e "O Show de Truman" (e de Jim Carrey, merecia um Oscar).
Qualquer hora falo somente do Peter Weir.
Carpe diem.

Monday, September 04, 2006

Júlio Verne

O leitor Ulisses Ardit questiona-me se não pensei no Júlio Verne, ao lançar, neste blog, a pergunta, quem, em 1870, sonharia com viagens espaciais?
Ocorreu-me o nome do escritor francês. Porém, o Júlio Verne era um visionário para o seu tempo, o precursor da ficção científica, por isso, achei que não deveria mencioná-lo. Deveria, ao invés, imaginar o que acudiria à mente das pessoas médias daqueles tempos. Confesso, também, que não sabia dizer, naquele momento, quando tinha sido publicado o livro do Júlio Verne que tratava do tema, Da Terra à Lua. Agora sei: 1865. Portanto, em 1870, alguém já tinha sonhado com as viagens espaciais...
O Gene Roddenberry imaginou o tal do teletransporte. Quando eu e minha irmã assistíamos Jornada nas Estrelas, ficávamos sonhando com tudo o que a série mostrava. As pessoas mais "pé-no-chão" que nos cercavam torciam seus narizes para o nosso gosto por esses filmes cheios de coisas malucas. Será que já tem alguém pesquisando essa possibilidade?
Faz anos que os andróides fazem parte dos roteiros de ficção científica. Ainda não apareceu nenhum no mercado, perfeitinho como o David de Inteligência Artificial. Espero que os andróides cheguem logo ao mercado. Ah, como gostaria de, hoje, poder encomendar o meu! Quem não gostaria de pedir o replicante de alguém? Eu pediria! Igualzinho em tudo, até no nome e no sotaque!

Monday, August 28, 2006

A Casa do Lago

"A Casa do Lago" parece ser mais um dentre os muitos filmes que situam os membros de um par romântico em épocas diferentes, como "Em Algum Lugar do Passado" e "Os Dois Mundos de Jeannie Logan". Porém, o que o faz interessante?
Tais filmes costumam provocar a rejeição dos expectadores mais cartesianos devido ao seu irrealismo, ao seu caráter fantástico. Das muitas experiências dadas como impossíveis pela razão de diferentes épocas, o ser humano já realizou muitas delas: em 1906, um mineiro chamado Santos Dumont voou sem balão num engenho chamado 14 Bis; em 12 de abril de 1961, um soviético chamado Gagarin tornou-se o primeiro homem no espaço e orbitou ao redor da Terra; em 16 de junho de 1963, a primeira mulher no espaço, Valentina Tereshkova; em 1969, o homem na Lua. No séc. XX, os vôos transcontinentais substituíram os navios nas longas viagens; inventaram o cinema, a televisão, o videocassete, hoje praticamente substituído pelo DVD, o telefone celular (os aparelhos estão cada vez mais diminutos), o notebook, o palm (meu amor não vive sem o seu), a internet. Quem sonharia com telefone celular e Internet em 1980? Ninguém que eu conheço. Quem, em 1870, sonharia com viagens espaciais? Em 1920, com o DVD?
Porém, há mais. Alguns assuntos permanecem na marginalidade, em maior ou em menor grau.
Desde 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, do Allan Kardec, tem havido pessoas que acreditam na comunicação com os espíritos, na reencarnação, assim como na clarividência e na clariaudiência. Porém, o assunto continua controverso. Os espíritas acreditam. Os não espíritas não aceitam. Têm havido filmes abordando tais temas também. O clássico do gênero é O Sexto Sentido.
E os ETs? Há quem diga tê-los visto. Quem não se lembra do "ET de Varginha"?
Porém, ainda não apareceu ninguém que afirme ter viajado no tempo. Por isso, filmes como "A Casa do Lago" parecerão absurdos aos olhos de muitos, que preferirão não vê-lo, por soarem mais fantásticos do que "Sinais", por exemplo.
"A Casa do Lago" não veio para nos falar de viagens no tempo: trata-se de uma metáfora. Merece ser visto sem preconceitos, com o coração aberto. O fato de Sandra Bullock viver em 2006 e Keanu Reaves, em 2004, é a metáfora do desencontro. Os diálogos, as cenas, as interpretações, tudo é sóbrio nesse filme. Ele não faz chorar: faz pensar. Faz sentir.
Em "A Casa do Lago", um deles terá que esperar. Muitas vezes será assim em nossas vidas. Noutras vezes, um deles terá que se apressar, porque o desencontro é o preço que pagamos por chegarmos muito cedo ou muito tarde também.
Às vezes, encontramos alguém, e mal nos damos conta do que acabou de acontecer nesse momento. Ou então, o contato entre os dois ocorre, despertando belas impressões que, profundas, perturbam, abalam tanto, que reagimos com medo, qual abatidos por um trauma: desenvolvemos uma amnésia que abrangerá somente aquela pessoa tão especial. Então, quando os deuses de tudo novamente reunem os dois, um deles descobre, estupefato, que esquecera da existência daquela outra pessoa.
"A Casa do Lago" nos mostra que, nos negócios do coração, deve-se ouvi-lo, desprezando-se as regras mesquinhas do mundo; que desencontros são superáveis com coragem e fé; que não existe amor impossível.
Não percam o filme.

Monday, July 10, 2006

A Mulher do Tenente Francês

Sabem aqueles filmes de que ouvimos falar quando são lançados, mas não assistimos? Passa ano, entra ano, vemos o filme nas prateleiras das locadoras e não o alugamos. Pois bem. Neste final-de-semana, assisti ao filme que leva o nome desta postagem. Tem mais de vinte anos, é com a Meryl Streep e o Jeremy Irons.
Não vou contar a história. Limito-me a recomendá-lo a quem ainda não o assistiu.
E por quê?
O filme mostra como a sociedade julga a mulher que não obedece as regras confinantes que foram inventadas para encarcerá-la: ou é prostituta ou é louca. Para chegar a tanto, a mulher não precisa ser nenhuma Lucrécia Bórgia, Maria I, a Louca (há quem diga que a rainha portuguesa não era louca coisa nenhuma), rodar bolsinha nem falar sozinha pelas ruas. Basta que ela ouse amar, saia sozinha, contemple o mar e se recuse a ser como todos querem que ela seja: conveniente, cordata e sem luz própria.
Certa vez, um homem muito caro conversava comigo. Ao saber que eu fizera todas as minhas viagens para fora do país sozinha (tinham sido apenas três), ele comentou: "Ah, você é corajosa!" Esse homem foi uma das poucas pessoas que não me julgaram mal por eu ser como sou e fazer as coisas que eu faço, as quais acho bastante banais: sair sozinha quando não tenho companhia, viajar sozinha, escrever poemas (e publicá-los de vez em quando), fazer a corte ao homem amado.
E hoje à tarde, eu assistia à TVE do Rio de Janeiro, na casa de meus pais. Passava um programa que eu não conhecia, mas de cara amei: um programa de História da Arte, com a Irmã Wendy. Imaginem uma freira católica, entre 50 e 60 anos, com seu longo hábito negro falando dos Impressionistas, do Monet, do Renoir, e chegando ao Van Gogh! Pois a Irmã Wendy, além de dotada de profundos conhecimentos de História da Arte, é observadora sensível às obras de arte e às vidas dos artistas. Pensamos na Igreja Católica com seus dogmas, e não imaginamos que possa uma freira falar com tanta beleza e sem nenhum preconceito da arte e dos artistas. Pensamos na Igreja Católica e seu anti-feminismo, mas a Irmã Wendy nos falou das pintoras impressionistas também. O que mais me chamou a atenção foi a maneira respeitosa e caridosa com que ela falou de Van Gogh, cuja vida foi tão difícil a ponto de ele mesmo terminá-la. Uma coisa ela disse no decorrer do programa, não me lembro suas palavras exatas, mas a mensagem é a seguinte: quem de nós não tem seus desequilíbrios ou singularidades?
Bem, "A Mulher do Tenente Francês" é um filme que merece ser visto. Ele mostra, ainda, o quanto nossa sociedade é, na essência, parecida com a da Inglaterra vitoriana: repressora, cheia de regras sem sentido, vive de aparências e julgadora implacável, sobretudo das mulheres.

Tuesday, June 06, 2006

Senhoritas: Nunca Mais

Por que as mulheres são divididas entre "senhoras" e "senhoritas", em razão de serem casadas ou solteiras, ao passo que o homem é sempre "senhor"?
Trata-se de mais uma, dentre tantas, tradições discriminatórias.
Interessante é notar que o empresariado, nessa questão, saiu à frente na superação da forma de tratamento "senhorita". Hoje em dia, somos quase que invariavelmente chamadas de "senhoras" em supermercados, drogarias, prestadoras de serviços diversos, por trabalhadores visivelmente treinados.
Porém, há momentos em que somos surpreendidas por um arcaico "senhorita". Basta aparentarmos juventude e celibato. Há quem ache bonitinho.
E o que é uma "senhorita"?
O primeiro significado para o termo, dado pelo Dicionário Aurélio, é "mulher de baixa estatura". O sufixo "ita", na língua portuguesa, demonstra que o substantivo está no diminutivo. Então, "senhorita" é diminutivo de "senhora". E diminutivo indica algo menor. Assim, uma "senhorita" é "menos" do que uma "senhora". Não existe "senhorito" (vamos criá-lo?) para referir-se ao homem solteiro. Por quê?
Em primeiro lugar, a origem do termo "senhor" perde-se no tempo, mas alguns dicionários revelam que está ligada à propriedade imóvel. "Senhor" era o dono da terra. Na Idade Média, encontramos a figura do senhor feudal.
Nesse sentido, confira-se o que diz o "Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa", de Caldas Aulete, vol. V:
"SENHOR (ô), s.m. o que tinha autoridade feudal sobre certas pessoas ou propriedades; proprietário feudal. Proprietário, dono absoluto, possuidor de algum Estado, território ou objeto: El-rei de Orixá e el-rei de Bengala... que são senhores de grandes Estados."
Durante séculos, a mulher não teve direitos de propriedade nem de herança, salvo raras exceções, como no Antigo Egito e na Babilônia (cf. Encyclopaedia Britannica). Na Idade Média, era destituída de todo e qualquer direito privado. Não podia ser proprietária nem herdeira. Essa restrição seria invocada, na França, como obstáculo a que o trono francês pudesse ser ocupado por uma rainha: se a mulher não podia ser senhora da terra, não poderia governar um país (Lei Sálica).
Por isso, a mulher só era "senhora" por deferência ao marido, o seu "senhor". A filha jamais seria proprietária de qualquer porção de terra por definição. Daí, o vocativo "senhorita".
Na Idade das Trevas, disseminaram-se duas pragas: o tabu da virgindade e o casamento como o único meio legítimo de vida para as mulheres. Portanto, segundo essa cosmovisão, era necessário dividir as mulheres entre "senhoras", mais dignas de respeito por terem um dono, um "senhor", e "senhoritas", donzelas desgraçadas que nunca seriam senhoras da terra e nem de si mesmas, uma vez que o pai podia casá-las à força ou encerrá-las num convento a seu bel-prazer.
Portanto, uma "senhorita" é presumivelmente virgem...
Por esses motivos, o termo "senhorita", além de arcaico, é discriminatório e humilhante.
Hoje, as mulheres têm direitos de propriedade, de herança, direitos políticos ativos e passivos, podendo votar e serem votadas, sem restrição alguma; nos termos da nossa Constituição, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; o preconceito e a discriminação de sexo são proscritos e o Estado tem o dever de combatê-los (art. 3o., IV; art. 5o., "caput", incs. I e XLI).
O direito de liberdade, nos termos da Constituição, é o mesmo para ambos os sexos, e o tabu da virgindade não mais pode constranger mulher alguma.
Igualdade de direitos quer dizer, sim, igualdade de status , de dignidade social. Não há razão de direito para distinguir as mulheres segundo seu estado civil, uma vez que tal distinção nunca alcançou os homens. Assim, não pode a sociedade continuar dividindo as mulheres em senhoras e senhoritas. Por essa razão, a palavra "senhorita" tem que ser deixada no passado da língua portuguesa, aliás, de todas as línguas, tendo em vista o seu conteúdo discriminatório e humilhante.
Infelizmente, há mulheres que a-do-ram um "senhorita"! Sentem-se "mocinhas"!
Quem ainda cunha o "senhorita", creio fazê-lo de boa-fé, por falta de informação, de reflexão. Afinal, só me dei conta do caráter discriminatório dessa diferença depois dos 30 anos de idade e de muito estudar e pensar sobre direitos das mulheres.
Portanto, devemos pugnar pela abolição ampla da forma de tratamento "senhorita", por todas as razões apresentadas, pois sem igualdade de direitos implica na igualdade de tratamento.

Monday, April 10, 2006

Women's Freedom


"Freedom, freedom, open your wings on us".  This is the chorus of an old samba, which title and performer I cannot recall.
Before shocking you all, I warn:  yes, I know, this phrase also belongs to the Republican Anthem's lyrics.*
Much have been said about equality between men and women.  Nevertheless, women's right to freedom is seldom commented.  Everybody repeats that equal rights have been already achieved (!), there's a talk about "post-Feminism", but there certainly are events in which inequality is evident, taking dramatic proportions when  woman wants to be as free as  men are.
We are not yet.
Feminism has brought us suffrage, equal rights (in most western countries) guaranteed by the constitution (in countries with a codified constitution) and the law (civil and common law), access to labour market and many achievements.  However, most of Feminism (at least Feminism in Brazil) has not yet dared to break up with certain domineering concepts about women, that constraint and restrain our freedom, like:  women's idealization, compulsory altruism, consecration of maternity and the reproach of women's individualism, of sex and pleasure.
We have not been raised for freedom.  We are not admited  neither in collective, neither in individual exercise of freedom.  Our mothers were against our freedom.  Most women are against their own freedom.
There has been much ado about breastfeeding's nature - is it a right or a duty?  Women have the right to choose whether to breastfeed, whether not to.  However, there are women (many of which believe themselves feminists!) who do not agree with this statement.  Yes, women have the right to put themselves first in their own lives, above motherhood inclusive.  Yes, they have the right to be individualistic, and State, society, family and friends ought to respect such choice.
Women against freedom hate free women.  The she-wolves.  The untaming.  The wild and almighty hearted ones.
Our hearts are our freest part.  In it, we can be and do everything!
Women who are freedom's enemies are those who do not understand this.  Their hearts cannot be or do everything.  Maybe their hearts are capable of nothing.  Who are them?
Those who, afraid of having homosexual sons, raise their boys as rude "machos";  those women  who say, "I'm not a feminist, I'm feminine";  those who find acceptable that women be discriminated on the grounds of their  marital status, divided between “mrs” and “miss”;  those who are against equal freedom to both sexes;  those who raise their sons and daugthers differently, granting the former much more freedom;  those who believe that mothers must put their children first, above themselves, and that women cannot be as individualistic as men;  those who speak in such a honeyed tune that sounds humiliating;  those who accept discriminatory and humiliating rules for women.
They are, above all, those who don't want to change, paying freedom's price, which is to take one's own history in the hand, to take care of themselves and not be sustained by a man.  This demands hard work, study, courage, work, work, struggle, struggle.  How can a woman, for example, become a judge, if she doesn't work, but depends on a man?  How can a woman complain about politicians, if she fulfills her mouth to say she hates politics and snorts when her father, husband or companion watches a TV program on politics?  If she despises suffrage, painstakingly obtained?  There are lasses who'd rather give their voters' id to their "lords" to vote for them.  If a woman believes herself as superior by adopting dependant and alienated behaviors such as these, she's a freedom's enemy.
The world is full of women that feed sexism's fire, with attitudes compatible with femininity's negative stereotype.  And how many reactionary women there are!  They were the ones who took Brazilian streets, in 1964, in “Family’s Parades With God For Freedom”.  This helped the coup d’État that stablished a military dictatorship which would last more than 20 years and make hundreds of fatal victims.  Once a man phoned me to tell me he knew more women “right to lifers” than men.  If this perception is real, I cannot say.  Years ago, when Ellen Gracie Northfleet was the only woman Justice at the Brazilian Supreme Court, she voted against the possibility of interrupting pregnancies of brainless fetuses.  In April 2012, the Brazilian Supreme Court (with 2 women Justices now) stated that such interruptions did not violate the constitutional right to life, in an 8 to 2 judgment.
Very well.  We must take Feminism over, but to make it into a movement  effectively committed with women’s liberation;  also, with men’s liberation.  Our Feminism has not gone beyond half freedom’s way:  it ought to break up with women’s and men’s idealization;  it has to propose female’s condition overcome, so we can reach human condition.  How come, Simone Andréa?

Women have to stop wanting to idealize themselves, trying to prove men that they are “superior” to them;  that they are “more sensitive”, “less selfish”, “more solidary”, “stronger”, because this only brings us more burden and less actual freedom.  I’ve already given an example of this, “breastfeeding dictatorship”, because women have not yet dared to break  up with female’s condition mandatory altruism, with motherhood’s consecration.  Women and men have equal right to enjoy life.  We ought to take a brave position on this, repelling any purity our santity’s ideal, but admitting that we are human beings, sexual beings, and that this is important for us.  More:  we have the right to choose whether we will do it, with whom, when and where.  We have the right to live free from prejudice and gender-based discrimination;  the right not to listen to sexist jokes or alike;  of being treated as adults, not as big children;  of being competitive, ambitious, aggressive;  of daring to fight and win.

Ultimately, we have the right of being regarded as human beings, not being dichotomized as “saints” and “she-devils” as we’ve been so far:  on the one , the friendly freedom’s traitors;  on the other, those who dare to be free.
 
*Anthem composed to celebrate the Proclamation of Brazil as a republic, which occurred on November 15, 1889, overthrowing the constitutional monarchy of the Empire of Brazil.