Tuesday, November 24, 2009

TECNOLOGIA INVASIVA, LIBERDADE À DERIVA

Hoje, duas notícias assustadoras, uma ouvi no rádio, outra, na televisão.
Primeiro, notícia veiculada pela Rádio Eldorado: a empresa INTEL está testando tecnologia que permite ligar, desligar, dar vários comandos a aparelhos eletroeletrônicos apenas com O PENSAMENTO.
Oh, mas isto é maravilhoso!
Não é não.
Para tanto, será necessário implantar um chip no cérebro.
Disse o locutor: no meu cérebro ninguém vai implantar nada!
Pouco depois, o "Jornal Nacional" apresentou matéria a respeito das novas tecnologias de identificação das preferências dos consumidores, já em franco uso pelas empresas!
No que consistem?
Há um tal de "sensor de olhar"! Microcâmeras ambientais e dispositivos que abrimos nas páginas da internet, em nossos computadores, emitem ondas que registram para onde olhamos mais.
E, a cada vez que compramos o que quer que seja, com nossos cartões de crédito, que efetuamos operações online, somos automaticamente cadastrados em bancos de dados, e à nossa revelia.
Tais tecnologias violam, sim, o direito à intimidade e à vida privada (art. 5º, X, da Constituição da República).
Logo, seremos presos por lançarmos olhares ardentes para quem amamos, adoramos, ou simplesmente desejamos, só porque alguma mente de pequeníssimo alcance acha que é senhora e possuidora de quem gostamos.
Tal tecnologia - sensor de olhar - é uma forma de leitura de pensamento, que já não podemos guardar para nós mesmos.
Assistam "MATRIX" (o primeiro). Estamos a caminho daquilo.

Wednesday, October 28, 2009

NEM LIVRE, NEM JUSTA

Um dos objetivos fundamentais da República, diz a Constituição, é construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I).

Nossa sociedade está cada vez menos livre. Justa e solidária? Se não é livre, não pode ser justa, nem solidária.

Liberdade, meu tema recorrente.

Apesar de a República Federativa do Brasil ter uma lei suprema que prioriza a cidadania, ao invés da autoridade, sendo libertária em todos os sentidos, assistimos, nos últimos 21 anos, a uma escalada liberticida por parte da sociedade e do Estado. Exemplo disso é a Lei Antifumo do Serra, que tanto já comentei.

A fim de combater a criminalidade, leis liberticidas e, às vezes, desumanas, são promulgadas e guardadas pelo Poder Judiciário, como é o caso da lei que institui o RDD - Regime Disciplinar Diferenciado nos presídios. Um dos pontos do RDD: o preso não pode ler jornal e há uma lista de livros proibidos!

As restrições à publicidade que ultimamente têm sido impostas têm natureza de verdadeira censura, para a qual não encontro respaldo no texto constitucional. Exemplo de um desses absurdos: nas campanhas publicitárias de bebidas alcoólicas, os modelos devem aparentar ter mais de 25, isso mesmo, vinte e cinco anos (!), quando a idade mínima para o consumo de tais produtos corresponde aos 18 anos completos...

E, agora, querem a proibição da publicidade com apelo infantil...

Por outro lado, publicidade com apelo machista (e a Constituição expressamente proscreve o preconceito de sexo) logicamente, ninguém quer restringir.

O jornal "O Estado de São Paulo" está há dias sob censura, proibido, por decisão judicial, de veicular notícias sobre o filho do Senador José Sarney. Muitas decisões judiciais proibiram, em várias localidades, a realização da "Marcha da Maconha", que nada mais é do que uma manifestação que simplesmente defende uma idéia, tese, convicção filosófica (inviolável, segundo a Constituição), qual seja, a descriminalização da maconha. Censura. Concordemos ou não com esse ponto-de-vista, quem o sustenta tem o direito de expressá-lo.

Outro exemplo de liberticídio é o "toque de recolher", imposto, em algumas comarcas, a menores de 18 anos, por juízes de direito. Liberticídio sem respaldo algum na Constituição, que garante a todos o direito de ir e vir, em tempos de paz. Felizmente, quanto a essa posição, estou na companhia de Damásio Evangelista de Jesus.

Tramita no Congresso um Projeto de Lei que disciplina a internet, cria novos tipos penais (crimes), e obriga os provedores a armazenarem todas as informações referentes aos acessos dos usuários durante um certo período de tempo, se não me falha a memória, durante 3, três meses. O Projeto, apresentado pelo tucano Eduardo Azeredo (tinha que ser do PSDB, se bem que o PT não é imune à doença do autoritarismo), foi alcunhado "AI-5 Digital". Ou seja: tudo o que você pesquisar no Google fica armazenado, todas as páginas que você visitar... O que isso possibilita? Que LEIAM seus pensamentos! Sua mente será VIGIADA!

A Constituição guarda a liberdade de convicção e de crença, de manifestação do pensamento, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Não cuidou, em 1988, de guardar a INVIOLABILIDADE DO PENSAMENTO, porque, até então, INEXISTIA tecnologia que possibilitasse a violação, a devassa do pensamento. Hoje, há.

Quando você lê um livro, um jornal, folheia um álbum de fotografias, uma revista, ninguém guarda registro desse ato, a menos que o(a) filmem. E, se o(a) filmarem, você saberá que foi filmado(a). De qualquer modo, NINGUÉM saberá porque e para que você fez a consulta, o que você estava procurando. Ao navegar na internet, porém, é diferente.

Ao navegar na internet, a máquina está "pensando junto" com você, que transforma a internet em extensão do seu pensamento. E a internet é uma tecnologia que permite o armazenamento das páginas visitadas, e com que frequência. Imaginem só os seus acessos caindo nas mãos erradas! De um inimigo! Do Estado! Enfim, de quem quer que seja!

O direito de pensar livremente, de procurar informações, e sem sofrer qualquer constrangimento, é um direito absoluto. Na dogmática jurídica, temos o aforismo, "não há direitos absolutos". Há, sim. Pensar, sentir, sonhar, desejar, fruir, são direitos absolutos, porque derivam da relação do ser humano com ele mesmo, e com mais ninguém.

Pensar, sentir, sonhar, desejar, fruir, são fenômenos do corpo, da alma e da mente da pessoa, e por isso, invioláveis. Armazenar os acessos de alguém às páginas da internet é violar seus pensamentos, e, quiçá, desejos, sonhos, curiosidades, fontes de prazer. Ninguém discorda do direito absoluto que uma pessoa tem de guardar pensamentos para si, e não dividi-los com ninguém mais.

Por que tudo isso? Porque, em nosso tempo, cresce a cosmovisão de que a liberdade é um mal, do qual decorrem todos os demais. Então, é preciso proibir o máximo de condutas possível . Proibir para prevenir, vigiar para proteger. Ter prazer é atitude suspeita, hedonismo, politicamente incorreto, e a irreverência que questiona e derruba tabus, molecagem. Ah, sobrou pro amor. Romântico? Brega, imaturo, ultrapassado... Paixão? Doença. E dá-lhe psicoterapia e psicotrópico.

E, numa sociedade assim, o que é imoral torna-se ilegal, embora ninguém seja obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (art. 5º, I da Constituição).

Mas, Simone Andréa, quando é que você pensa que teremos uma sociedade livre? As pessoas não estão folgadas demais?
Não é a liberdade que torna algumas pessoas folgadas, mas a falta de orientação, de educação (não vou repetir o tema), de cultura, de elegância, de sensibilidade, de arte, e, no caso dos homens, de liberdade: da liberdade de dizer "não" ao padrão agressivo e grosseiro de masculinidade que lhes é imposto. Ai do homem que se atreve a ser diferente! Homem vaidoso? Delicado? Fica "falado", como se diz em Sorocaba.

Teremos uma sociedade livre quando uma mulher puder manifestar, publicamente, desejo, amor, paixão, enfim, qualquer sentimento do gênero, por um homem, e ser respeitada; quando uma mulher puder chegar solitária numa festa, cerimônia, bar, restaurante, boate, sem que homem algum creia que ela tem obrigação de aceitar sua companhia, só porque ela está desacompanhada; e, agora, rendo-me à Danuza Leão, que certa vez escreveu: a mulher será livre no dia em que puder pedir um homem em casamento. Ainda não pode. Aquela que pediu e foi bem-sucedida, por favor, avise-me, sobretudo se pediu um homem que nem era seu namorado!

Teremos uma sociedade livre quando falar certas palavras deixar de ser tabu, quando as pessoas pararem de esperar postura grave (e reprimida) de autoridades e de ocupantes de determinados cargos (não estou contra a ética, obviamente, mas, sim, contra a pompa e circunstância, o moralismo reprimido e repressor, a hipocrisia), quando abolirmos o cerimonial no trato com tais pessoas, afinal, numa República, não há nobreza, portanto, "Sua Excelência" é tratamento que deveria ter deixado de existir HÁ CENTO E VINTE ANOS ATRÁS! "Excelência" era a forma de tratamento dada aos nobres do Antigo Regime, duques, marqueses, condes, viscondes, barões. Mais medieval, impossível.

Teremos uma sociedade livre quando o corpo e o sexo deixarem de ser tabus, quando um senador não for importunado porque desfilou de sunga vermelha, sobre a calça ou sobre a pele, no saguão do Congresso (vida longa para o Senador Suplicy); quando posar nu, ou nua, deixar de ser privilégio de artistas e atletas, mas ato reconhecido como exercício regular de direito (que o é, disso, não tenho dúvida) a empresários, jornalistas, políticos, advogados, funcionários públicos, trabalhadores em geral, que não sofrerão qualquer sanção por isso.

Agora, um sonho. Um dia, quero abrir a edição brasileira da "PLAYGIRL" (que eu saiba, ainda não existe) ou similar, e em sua capa ler, "DESPIMOS O JUIZ/PROMOTOR/DEPUTADO/SENADOR/PRESIDENTE/MINISTRO/GOVERNADOR", ao lado da foto do rosto do glorioso senhor, tirada à meia-luz, e ele lá, lindo e loiro, moreno, ruivo, grisalho, ou calvo, com um sorriso bem sensual. E, ao ler a revista no meu quarto cor-de-rosa, uma surpresa maravilhosa: ele desfilando nas dez ou vinte páginas da matéria, só de meias e sapatos, quando muito de relógio, ou de óculos, se os usar... quem sabe, com uma capa preta... porque seremos uma sociedade livre, realmente, quando um magistrado, de preferência de alta corte, em pleno exercício do cargo, puder posar nu, sem consequência alguma, além dos suspiros (ou das caretas, nunca se sabe) das mulheres.














Monday, August 03, 2009

Semana Mundial da Aporrinhação

Começou ontem, 01.08, mais uma Semana Mundial da Amamentação, promovida, entre nós, pela Sociedade Brasileira de Pediatria, com a adesão do governo.
Este ano, a madrinha da campanha é a cantora Cláudia Leitte, aquela mesma que disse, no ano passado, que não gostaria de ter um filho homossexual. Para uma mãe ou um pai, que diferença faz a orientação sexual dos filhos?
Muito bem. Semana Mundial da Amamentação é a Semana Mundial da Aporrinhação Liberticida e Machista.
O que é que tenho contra a amamentação? Nada, nada, nada.  Mas saibam todos que é ato de livre decisão, iniciativa, preferência e possibilidade da mulher. Porque se trata de um direito, e não de uma obrigação.
Ah, mas não há alimento mais perfeito... ah, mas é um ato de amor... ah, mas por que uma mãe iria se recusar a amamentar?
A Sociedade Brasileira de Pediatria e alguns políticos querem impor a idéia de que a amamentação é dever da mãe. Isso é um ponto-de-vista machista, porque trata o corpo da mulher como se não fosse dela, mas da família, do Estado e da sociedade. Assim, se a mulher tem seios, pariu um filho e está produzindo leite, tem "obrigação" de dar leite e essa é sua principal função enquanto o bebê mamar. Afinal, já que o ser humano é mamífero, a mulher tem que "obedecer à Natureza" e sujeitar-se às suas consequencias, comportando-se como qualquer fêmea de uma espécie mamífera. 
Machista, porque parte do princípio de que a liberdade da mulher  é menor do que a do homem. Segundo esse ponto-de-vista, a mulher, por conta de sua "organização física", de sua "função", deve ter mais encargos, mais obrigações, e menos autonomia física. Em outras palavras: menos direitos e mais deveres. 
Ninguém pensa em levar em conta o que as mulheres pensam, sentem e vivem a respeito do assunto. Aliás, ninguém quer levar em conta o que as mulheres pensam, sentem e vivem a respeito de nada! Essa é a crudelíssima verdade, ainda não destruída, comme il faudrait.
Machismo é tratar a mulher, mais uma vez, como coisa, rez, gado fornecedor de alimento; trata seu corpo como coisa alheia, da família, do Estado, da sociedade, e não como coisa própria, da própria mulher; enfim, trata a mulher como objeto de consumo e ignora sua vontade, como se sua consciência não existisse e estivesse simplesmente proibida de existir!
O conhecimento, a religião, a arte e a política ainda são ditadura dos homens, que, unidos contra a mulher, deixam de ser de esquerda ou de direita, passando a atuar como centro: Centro do mundo.
E, assim, fomentam, juntos, mais uma ditadura contra a mulher, a ditadura da amamentação.
Foi essa expressão - "ditadura da amamentação" - que uma jornalista inglesa, Hana Rosin, utilizou num artigo em que denuncia o problema.
E, entre nós, uma médica, Iara Grisi, escreveu um artigo de tom liberticida, "É Preciso Amamentar Sim!"
O que eu tenho contra a amamentação? Contra a amamentação em si, nada! Quem já não imaginou a cena? Se tivesse um bebê, iria tentá-la. Afinal, não custa um centavo, já vem pronta e pode ser uma experiência muito agradável. Porém, mãe não é tudo igual. E nem bebê. Conheço mulheres que se deram muito bem com a amamentação. Outras, não. E não é a família, o médico, o Estado e nem a sociedade que vão dizer o que a mulher deve fazer ou deixar de fazer com o seu corpo e sua vida.
Como é que, num Estado que tem o pluralismo, vale dizer, o direito à diferença, como princípio fundamental, a mulher, só porque teve um filho, perde o direito de ser diferente, de nadar contra a corrente?
Simples: vivemos num mundo em que a mulher não é reconhecida como ser humano. Não é. Foi preciso um tratado internacional dizer, "os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais" (Declaração do Programa de Ação de Viena, resultante da Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, realizada em 1993), porque, sempre que se falava em "direitos humanos", quando se falava nos direitos das mulheres, sempre havia um senão, um mas, um exceto, como se o conceito de direitos humanos excluísse o Outro, as mulheres. Essa cosmovisão que dominou a Assembléia Nacional instalada com a Revolução Francesa, no sentido de excluir as mulheres dos direitos individuais e políticos, sob o argumento de que "a natureza" as tinha criado para outras finalidades. Entre aqueles deputados franceses de fins do séc. XVIII, houve, porém, uma voz dissonante, e muito bem articulada: Condorcet. Sim, era um homem.
Agora, um caso verdadeiro.
Era uma vez uma profissional da saúde de cidade do interior. Grávida, convencida da importância do aleitamento no peito, preparou-se para ele. Seu bebê nasceu, ela lhe ofereceu o seio, e... nada. O bebê simplesmente não queria mamar no seio dela. A médica impedia essa mãe de tentar oferecer uma mamadeira. Para o bebê não morrer de inanição, a receita da médica: soro fisiológico! A mãe em questão voltou ao hospital, para tentar resolver o problema. Ela chorava no banho, pois o leite escorria, ela tinha os seios roxos de tanto apertar, e o bebê, nada! Ela voltou ao hospital, para tentar resolver a situação. Todas as técnicas foram aplicadas, e, nada! As enfermeiras começaram a torturá-la, dizendo que, se o bebê não mamava, era porque ela não queria! E a médica na mesma toada...
Um dia, uma das tias dessa mulher foi visitá-la, viu o bebê magrinho (pois só recebia soro, de acordo com as ordens da "doutora") e disse à sobrinha: "você vai sim dar uma mamadeira a ele, o que é isso?" A tia (mãe de três filhos) trouxe a mamadeira, preparou-a e o bebê mamou. Hoje, é um mocinho. Poderia ter sido uma vítima fatal da ditadura da amamentação.
O ressurgimento da ditadura da amamentação coincidiu com a conquista, pela mulher, do mercado de trabalho, dos direitos civis (na Constituição e nas leis), da educação, dos anticoncepcionais, da queda na fecundidade. Era preciso, segundo o interesse dos machistas, por um freio nisso. Qual discurso poderia ser mais chantagista, mais intimidatório, do que o do "dever" de amamentar?
Ditadura da amamentação: sim, ela existe, e não sou a única a denunciá-la. Deem um google na expressão, e vocês verão que outras vozes a denunciam. Porque, para essa ditadura, as governadas não têm poder, não têm querer, não têm consciência e são proibidas de tê-la. E, para alcançar seus objetivos, que se resumem a manter as mulheres no cativeiro, vale tudo.



Monday, March 30, 2009

abaixo o bom-mocismo II

Chega de livrecos de auto-ajuda conformistas e maniqueístas, que se resumem a mandar a pessoa sorrir, bajular o patrão, agradar colegas de trabalho que muitas vezes querem ver-nos pelas costas, diminuir-se diante de pessoas mais belas, mais ricas, mais poderosas. Pro inferno com regrinhas baratas de etiqueta antiquada, elitista e machista. Uma banana para obras que são feitas por quem não raciocinou, mas obrou sobre o papel, que podem ser assim sintetizadas: obedeça ao sistema, por mais odioso, imbecil e injusto que seja; não questione as relações de poder, por mais mar de lama que contenham; agrade a todos e sorria, mesmo quando queira gritar.
Hoje, de acordo com esses livrecos, ser careta, inculto e sem espírito crítico é o bacana. Espírito revolucionário e transformador? Xiii... Que coisa mais fora de moda, antiga, hiponga! Rebelde agora é imaturo, individualista é bandido, fumante, pior que traficante, revolucionário é terrorista e feminista, ah, não vou repetir os impropérios que lhe são lançados.
E os ambiciosos, tudo bem para eles? Tudo bem nada! Apesar dos livrecos-cacarecos que ensinam prosperidade em lições de subalternidade, ai de quem se assume ambicioso! Se disser que dinheiro é bom, então, sai de baixo!
Abaixo a ditadura da nova moral castradora, que inventou a campanha "Dê Bom Exemplo"!
Dê vexame!

Monday, March 16, 2009

Prostitutas Por Presunção

Semana retrasada, descobri, horrorizada, que, para certos homens, mulheres que saem a sós são prostitutas por definição.
Em algumas sociedades assumidamente machistas, para sair de casa, as mulheres precisam estar acompanhadas de seu homem ou de pessoas da família. No Brasil do século XIX e do início do século XX, era assim. Com a entrada maciça das mulheres nas escolas e no mercado de trabalho, é incompreensível a permanência dessa visão preconceituosa e odiosa por definição.
Num almoço com outros advogados, um deles disse-me que achava correta a prática de alguns restaurantes de São Paulo, há alguns anos atrás, de proibirem o ingresso de mulheres "desacompanhadas". Seu argumento: o dono do estabelecimento e os clientes não são obrigados a conviver com a prostituição...
Ou seja, mulher sozinha num bar, restaurante, local público, é prostituta por definição!
Quando lhe disse que essa prática é discriminatória e que tanto os responsáveis pelo estabelecimento comercial (qualquer que seja) quanto os funcionários que cumprem tal ordem cometem ilícito penal, ele discordou. Expliquei-lhe a Constituição, o sistema de direitos fundamentais, e ele rebateu, ah, mas e a autonomia do dono do negócio? Respondi, ninguém tem "autonomia" para ferir os direitos fundamentais de pessoa alguma. Noção básica de Direito Constitucional.
Além disso, a prática é contravenção penal, nos termos da Lei 7.437/1985 (Lei Caó), se o fato não constituir crime de constrangimento ilegal.
Ninguém tem o mais remoto direito de impedir uma mulher de entrar "desacompanhada" em lugar algum, sob nenhum pretexto. Se o fizer, merece processo-crime e ação civil de reparação de danos. No mínimo.
Ah, mas e se a mulher for prostituta mesmo?
Prostitutas são cidadãs como outras quaisquer e têm direitos fundamentais tanto quanto um homem de negócios, um médico, um advogado, uma dona-de-casa, uma professora. Se um empresário pode entrar sozinho num restaurante, uma prostituta pode também. Se uma dona-de-casa pode entrar numa padaria para fazer compras, uma prostituta o pode também. Ela está condenada a morrer de fome porque exerce uma profissão malvista pela sociedade? Não. Assim, ela pode entrar num restaurante e almoçar ou jantar, sim, como qualquer cidadã. Quem é que pode apontar uma mulher e classificá-la, com total segurança, como "prostituta"? Ninguém.
Muito bem. O doutor tradição-família está convencido de que uma mulher "avulsa" num restaurante só pode estar querendo se prostituir. Lembro-me que rebati, "ninguém vai transar sobre a mesa". Ele não se fez de rogado: "Ah, mas pode combinar um encontro!" Não deixei barato: "E daí? Prá início de conversa, quem é que vai saber o que duas pessoas estão conversando?"
E os empresários que se reúnem em caros restaurantes para combinar negociatas, corrupção, crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem tributária? Uma beleza, não? Não são lindos e poderosos? Palmas para eles, não é mesmo?
E os políticos que se encontram em restaurantes, em hotéis, para combinar negociatas, atos de improbidade administrativa, crimes eleitorais, crimes contra a administração pública? São tão lindos e poderosos, não? Que continuem assim, não é mesmo?
E como os chimpanzés, orangotangos, bugios e babus reunidos fazem barulho!
E esses trogloditas de terno que, quando estão a sós num restaurante, sala de espera, bar, etc., sacam seus celulares e ficam falando em voz alta, incomodando todo o resto? Um inferno. E o imbecil que ri alto num cinema ou teatro, como um pangaré desvairado? Odiado. Enquanto isso, a mulher, que comete o único "crime" de estar só, recebe olhares de soslaio, piedade, desconfiança, e, muitas vezes, a estupidez de algum atendente despreparado e grotesco que tem a petulância de indicar-lhe algum lugar escondido, ruim ou próximo ao banheiro. Sempre recuso e faço questão de escolher aonde vou me sentar.
Por conta dessa cosmovisão ultrapassada, de que a mulher que caminha a sós pelos lugares e pela vida ou é "mulher da vida" ou uma coitada sem direito de escolha, muitas vezes aparece um porco, um pitbull, um símio ou um rato com perguntas do tipo, "não te conheço de algum lugar?", "você vem sempre aqui?", "sozinha?", e tudo o que queremos é um facão, uma focinheira e um enforcador, uma banana ou uma ratoeira. Por quê? Porque temos todo o direito de escolher com quem vamos ficar ou deixar de ficar; de preferirmos ficar sós do que acompanhadas de presenças dissonantes. Enfim, temos o direito de sermos tão livres quanto os homens.





Monday, February 16, 2009

Abaixo o Bom-Mocismo

Não aguento mais essas regras da moda, segundo a qual todo mundo tem que ser bonzinho, sobretudo boazinha, afinal, nessa nossa sociedade nada livre, injusta, mas que jura que é solidária, a parte mais pesada das obrigações cai sobre a mulher.
O bom-mocismo triunfa de mãos dadas com essa mídia leviana, venal, despreparada e supremamente vulgar que nos obsidia noite e dia. O bom-mocismo impõe seus atos institucionais sem reflexão, pois é do tipo que manda primeiro e não pensa nem depois, sem discussão, sem processo legislativo e ao arrepio da Constituição. O bom-mocismo é um fascista, um totalitário vagabundo, canalha, vulgar, lugar-comum, sem cultura, sem postura, sem filosofia, sem arte, sem personalidade, que odeia o bom-gosto e assassina a liberdade.
Ah, mas o bom-mocismo promove a igualdade...
Promove nada!
O bom-mocismo IMPEDE que todos sejam igualmente livres. Que igualdade?
Igualdade não é uniformidade, nem unanimidade. É dignidade igual, liberdade igual. Isso o bom-mocismo não admite, porque, para início de conversa, não admite a liberdade e destrói a dignidade, na medida em que viver sem liberdade é ignomínia. Além disso, o bom-mocismo trata quem dele ousa discordar como untermann, sub-humano, recusando tratamento digno a quem nadar contra a corrente ou caminhar contra o vento.
O bom-mocismo é esse EXCREMENTO que inspira leis liberticidas e intolerantes, como a Lei que instituiu o RDD, o famigerado Regime Disciplinar Diferenciado, que trata certos presos como feras, e não como gente, proibindo a leitura de jornais, de determinados livros (reinventou o Index da Inquisição!), como se um livro fosse tão letal quanto uma bazuca! E, pior: o Governo Lula defende essa lei no Supremo!
Outra lei liberticida, inspirada pelo maldito bom-mocismo, é a Lei Seca. Como posso estar contra uma coisa que, diz a mídia, está salvando vidas? É liberticida! Padece da total falta de razoabilidade, pois consegue ser mais rígida que as leis britânica e americana sobre o mesmo problema, consumo de álcool e direção de automotores. A lei coloca no mesmo patamar quem consumiu dois copos de cerveja e quem consumiu vinte. Só por isso, é insustentável.
A ditadura da amamentação (sim, eu disse ditadura, quis dizer exatamente isso e não vou retirar o que disse) trouxe essas leis que instituem seis meses de licença-gestante, oneram a Previdência e discriminam a mulher, pois reforçam a idéia estereotipada e machista de que a função precípua de cuidar do bebê é da mãe, sendo o pai dispensável. E, pior: essas leis afirmam ter como escopo incentivar o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade do bebê.
Ocorre, porém, não me cansarei de repetir, amamentação é DIREITO da mulher, que não tem a mais remota obrigação de amamentar.
Ah, mas e a saúde do bebê?
E a liberdade da mulher? Liberdade é um direito fundamental e inegociável. A mulher tem o direito de ser tão livre quanto o homem. Eventual afirmação de que a mulher não pode ser tão livre quanto o homem, só porque se tornou mãe, não passa de um sofisma de má-fé.
Quanto à saúde do bebê: é um sofisma de má-fé dizer que a amamentação é essencial, que o leite materno é indispensável. Minha geração foi alimentada na mamadeira. Esse discurso não passa de uma conspiração de profissionais de saúde machistas que nele encontram um pretexto para oprimir a mulher e mandá-la de volta para casa, longe do mercado de trabalho, cheia de culpas.
E por falar em mulher: os ecocôs fazem campanha contra a fralda descartável, sob o pretexto de salvar o planeta. E quem é que tem que dar a maior contribuição? A mulher, é claro, que ainda é quem mais cuida das crianças, quem acaba ficando encarregada de trocá-las! DE JEITO NENHUM podemos aceitar voltar a lavar fraldas! Isso é um RETROCESSO!
E a cobrança de serviço voluntário? Um contra-senso. Se é forçado, voluntário não é! Uma amiga minha, que tem filhas em idade escolar, há anos atrás contou-me que a escola das meninas tinha dado como tarefa, valendo nota, o engajamento num trabalho voluntário (estou falando de crianças!)...
Para os governos neoliberais, é um prato cheio a ditadura do voluntariado, a fim de que, cada vez menos, encarregue-se de prestar serviços públicos (que são seu DEVER constitucional prestar). Escravizar o povo, fazendo com que trabalhe de graça, é mais barato.
O bom-mocismo é contra a igualdade. Reforça privilégios de gênero, de classe, estado civil e idade. Hoje, em todo local de atendimento ao público, ainda que a espera se dê com todos sentados, há as "prioridades", gestantes, idosos, deficientes, pessoas com crianças de colo. Mas, se estão todos sentados, qual o sentido desses privilégios? NENHUM. Porém, o bom-mocismo, que não pensa, disseminou essa quebra da igualdade, e ai de quem ouse questioná-la!
Semana passada, fui renovar minha carteira da OAB. O local de antendimento dispunha de cadeiras para todos, mas, mesmo assim, tinha as famigeradas prioridades. Não sei porquê.
Nos shopping centers, vaga disto, vaga daquilo (e são muitas!). Basta!
É o bom-mocismo cretino quem disseminou a perseguição aos tabagistas, que passou de todos os limites racionais para atingir a insanidade pura e simples. Ah, mas é tendência mundial! Nos anos 30, o fascismo era tendência mundial. Alguém tem saudades?
Agora, há um projeto de lei em andamento no Congresso (espero que ainda não tenha passado), que, além de criar o cadastro nacional de adoção, passa a proibir que o interessado em adotar uma criança exerça o seu direito de escolha. Assisti a um debate na TV Justiça, uma fulana veio com o papo de que não se escolhe uma criança (para adotar), porque "adoção é um ato de amor".
Não era uma freira, mas uma advogada!!! Do que resulta esse PL? Do bom-mocismo totalitário.
E a lei da guarda compartilhada, então? Muito bem, mais um exemplo de triunfo do bom-mocismo sobre o bom-senso. A lei tirou da mãe a preferência na obtenção da guarda, e colocou a guarda compartilhada como regra, e a tradicional, como exceção! Agora, se tivermos um filho, depois de passarmos nove meses grávidas, e, se o caso, mais dois, quatro ou seis amamentando, perdemos a preferência de tê-lo em nossa companhia, no caso de eventual separação. Os homens já estão usando essa nova arma: para espicaçar a ex-esposa, com críticas e cobranças, interferências inéditas, e, também, a nova companhia, impondo-lhe o(s) filho(s) da união anterior.
O bom-mocismo é preconceituoso e cruel. Ele põe casais (de preferência heterossexuais) e famílias em primeiro lugar, e trata os lobos solitários com menoscabo. A indústria do turismo é o nicho mais preconceituoso da economia e ninguém faz nada. Em total afronta à Constituição da República, sobretaxa quem viaja só, em cerca de 40, às vezes 60 por cento sobre o valor de diárias e pacotes. Entrar sozinha num restaurante? Se não for para almoçar durante o horário comercial, olhares de soslaio. E, pior: aguentar um "senhorita" de algum despreparado e machista. Pois eu não aguento. Quando ouço essa ofensa, corrijo, "senhora, por favor".
Se o homem, solteiro ou casado, jovem ou idoso, é sempre "senhor", a mulher é sempre "senhora.' "Senhorita" é uma forma de tratamento discriminatória e humilhante. Quem tiver curiosidade, leia meu "Senhoritas: Nunca Mais" (postado em 2006).
O bom-mocismo é antítese do pluralismo e inimigo do espírito crítico, do progresso, da liberdade, da felicidade. Ademais, é intolerante, persegue quem a ele resiste e é capaz de matar. Ao dividir as pessoas em "do bem" e "do mal", como num gibi do Batman, incorpora a lógica maniqueísta e o tudo ou nada que justifica o assassinato como meio de limpeza para alcançar o fim, o "bem". É o bom-mocismo que condena a sexualidade feminina, o prazer, o hedonismo, os anticoncepcionais, o cigarro, o champanhe, o café, a carne; é esse mesmo bom-mocismo, porém, que justifica as prisões-masmorras, a invasão de privacidade, os grampos ilegais, o monitoramento de emails de empregados, a pena de morte. Foi o bom-mocismo quem apoiou a ditadura militar e o AI-5. Enfim, o bom-mocismo é a pior praga dos nossos tempos.

Wednesday, January 28, 2009

Provas e Títulos

Outra barbaridade nos concursos de ingresso na magistratura federal é a exigência de que o candidato que obtém a notas para prestar a prova oral indique nomes de autoridades ou professores universitários que possam dar informações "sigilosas" sobre si. Trata-se do famoso "quem indica", ou "Q.I."
"Quem indica" não são provas e muito menos títulos. E o que são provas? Nos termos da Constituição, há um conceito implícito: avaliação de conhecimentos, de capacidade, mediante critérios OBJETIVOS.
Segundo o art. 93, I, da Constituição, o ingresso na carreira da magistratura dá-se através de concurso de provas e de títulos. JAMAIS o concurso poderá levar em conta os relacionamentos pessoais do candidato, em qualquer de suas fases, porque isso, além de não se enquadrar no conceito de provas tampouco no de títulos, FERE, para início de conversa, princípio fundamental do Estado brasileiro: o princípio republicano.
O que é isso?
Proibição de privilégios, como os de classe, de família, de fortuna, de relacionamentos sociais.
As "indicações" ferem o princípio republicano porque NINGUÉM pode ser admitido ou barrado num cargo público em função de suas boas, ótimas, más ou péssimas relações com autoridades ou "gente de expressão".
Além disso, note-se o caráter ELITISTA, PRECONCEITUOSO, EXCLUDENTE E ANTI-REPUBLICANO do "quem indica": só podem prestar "informações" sobre o candidato "autoridades" (quem não for autoridade não é digno de confiança, sua palavra sequer merece ser considerada) ou "professores universitários" (quase sempre influentes ou, então, autoridades também).
Em terceiro lugar, JAMAIS se pode admitir, à luz da Constituição, que a opinião DE QUEM QUER QUE SEJA possa ser decisiva para aprovar ou reprovar um candidato num concurso público! Como já disse, NÃO SE TRATA DE PROVA, TAMPOUCO DE TÍTULO. Além disso, a Constituição salvaguarda a honra, a intimidade, a imagem e a vida privada de todos. Candidatos a juizes não "abrem mão" de seus direitos fundamentais e não tem o menor cabimento a afirmação de que "não é bem assim", "juiz é diferente". Diferente uma ova! Juiz é gente. Candidato a juiz não o seria por quê?
Essas autoridades e professores, por conta das sindicâncias clandestinas (são clandestinas sim, porque, se não o fossem, os candidatos teriam amplo acesso à elas e poderiam controlar os abusos e desatinos que nelas são cometidos), acabam contemplados, de fato, com "carta branca" para falarem o que bem entenderem. Se ofenderem o candidato? Ferirem seus direitos? Prejudicarem-no? Um abraço, como diz o povo.
Ora, a Constituição, na medida em que reconhece a todos os direitos à honra, intimidade e vida privada, EXIGE que todos os respeitem, inclusive as mais altas autoridades. Magistrados inclusive? SOBRETUDO, afinal, são eles quem, pela função que exercem, dizem o direito, decidem um conflito. Como é que podem ser presenteados por uma imunidade NÃO CONTEMPLADA PELA CONSTITUIÇÃO EM NENHUMA DE SUAS NORMAS?
São presenteados, de fato, mas não de direito, por um ou outro tribunal federal autoritário, saudoso dos garrastazus da vida, dos AI's (ais, como diriam os torturados daqueles tempos nefastos), que herdaram práticas antigas, nunca questionadas, e nelas prosseguem, afinal, o candidato, coitado, quer passar, não vai brigar. E assim todos perdem: a justiça, que deixa de receber magistrados de verdade, operários do direito por vocação, para que os queridinhos do estado das coisas abarrotem o Judiciário com sua meia-sabedoria de um cursinho qualquer.
E, pior: quase sempre, são assinantes da Veja (que lixo tucano).